sexta-feira, 31 de maio de 2024

Histórias de fantasma

Safestay


Acordei 4h50 da manhã com um barulho de pancada. Bum. Tentei voltar a dormir, mas passou mais um minuto e bum. Assim que comecei a relaxar de novo pra dormir bum. As outras pessoas do quarto começaram a se incomodar também, dava pra ouvir todos se mexendo inquietos. A cada minuto, mais ou menos, BUM.
Quando o barulho é constante e num volume aceitável, o cérebro se acostuma e deixa de perceber o estímulo. É assim com o barulho do ventilador, por exemplo. Hoje não consigo dormir sem um barulho de fundo. Aqui não tenho ventilador, então coloco aqueles vídeos de ruído branco ou o novo álbum da Taylor Swift.
Já uma pancada alta sempre vai ser percebida pelo cérebro. Bum. Não importa o que esteja fazendo, o cérebro sempre desviará a atenção para o bum. É impossível dormir assim. Isso é até técnica de tortura.
Dá pra argumentar que 5h da manhã já é uma noite completa de sono, ainda mais aqui que já está amanhecendo antes das 4h. Bum. Era a hora que eu acordava no Brasil. 5h da manhã. Qual o problema? O problema é que eu ainda queria dormir então insisti. Bum.
Comecei a ficar puta com o pessoal do quarto. Bum. Só poderia ser alguém fazendo isso. Que tipo de espírito de porco faz um negócio desses? Bum. Ontem já tive que pedir pras pessoas pararem de conversar alto de madrugada. Ia ter que ser a monitora do passeio de novo?
Bum. Comecei a achar que o barulho não era no quarto. Agora minha raiva já corria quente pela espinha. Bum. A guria da cama de cima não parava de se mexer. Eu também não parava. Como dorme assim? Bum. Já tinha passado mais de meia hora disso. Não tem como dormir. Uma das hóspedes percebeu que não havia esperança e saiu do quarto. A guria da cama de cima também desistiu e foi ao banheiro. Bum. Pra ser sincera, achava que o problema era a menina da cama de cima, mas quando ela saiu do quarto, ficou claro que não era. Bum.
Quase 6h da manhã e bum. Resolvi gravar o barulho porque agora ia levar a reclamação pra gerência. Dois bums em pouco mais de um minuto de vídeo e lá fui eu pra recepção. Na recepção, o cara já quis se defender que não era ele. Mostrei a gravação. Bum. Ele levou uma mão ao peito e a outra a boca assustado e me acompanhou até o quarto pra tentar achar o problema.
O problema é que esse albergue fica num prédio histórico. Um casarão de muitos séculos. Acho que sempre foi hospedagem. Muita gente já dormiu sob esse teto. Ainda tem o quarto onde as autoridades ficavam quando estavam na cidade. Meu quarto é a antiga biblioteca. Hoje é o albergue mais barato da região e ainda fica no centro. A primeira vez que me hospedei aqui, dividi quarto com uma profissional da saúde (ela não falou qual profissão) que estava morando em albergues há meses pra poupar. Ela queria abrir um negócio. Então eles recebem todo tipo de gente: turistas, profissionais, famílias, excursão de crianças (no momento, o albergue está com lotação máxima por causa das crianças). Todos os perdidos param aqui. 
O cara da recepção entrou no quarto e observou. Passou um minuto e bum. Ele pulou pra trás com a mão na boca. Percebi que o barulho vinha da janela. Bum. Apontei a janela pro cara da recepção. Outras pessoas estavam no quarto, então não estávamos falando. Bum.
A janela fica na frente da minha cama e a persiana é uma porta de madeira para bloquear o sol, do jeito que era antigamente, mas essa já não fecha mais. É por isso que sei que está amanhecendo antes das 4h. Talvez tivesse percebido antes que o barulho vinha da minha janela se não tivesse cobrindo meus olhos, com um casaco, e ouvidos, com fone e música. Mas agora era claro. Bum.
Pela primeira vez o cara da recepção relaxou. Saímos do quarto e ele falou 'é o vento. Saí pra fumar e todas as vezes tive que ter cuidado porque o vento está muito forte. Vem ver!' Lá fomos pro lado de fora. Realmente o vento estava muito forte. 
Conversamos mais um pouco e ele continuou 'Esse prédio é muito velho, tem uma abertura ali no vidro e o vento tá fazendo o vidro movimentar'. Concordei. Agora dava pra ver que era exatamente o que estava acontecendo. Eu conseguia sentir a corrente de ar também. Mas ele não parou por aí 'fiquei preocupado porque esse prédio é mal assombrado. Você não é a primeira hóspede que me procura por barulhos. Uma vez uma menina estava sozinha no quarto e disse ouvir alguém respirando no ouvido dela. Mesmo depois de eu ter verificado, como fiz com você, ela não aceitou voltar pro quarto. Ficou 4h sentada na recepção. Mas eu não acredito nisso de assombração não. Tá, eu fiquei assustado com essas pancadas aí (colocou a mão no peito de novo), mas não acredito não. É tranquilo. Sabe que a gente já teve clientes que morreram aqui, né?! Muita gente já morreu aqui. Alguns se mataram. Esse prédio é muito velho. Com certeza tem assombração, mas eu não acredito não. Você vai fazer o checkout agora?' Ainda tenho mais três noites aqui. Ele ri sem graça 'poxa, boa sorte, mas é tranquilo aqui'. Rimos. Expliquei pra ele que quem tem ruído branco no fone de ouvido nunca terá problemas de assombração. É por esse motivo também que tenho gatos.

Escrito em 31/5/24.

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