Nem todas as irmãs
Tem vezes que queria que alguém me parasse quando eu dissesse que vou fazer uma caminhada. Já comentei que nunca mais vou subir vulcão, mas não tinha falado nada de falésias.
Bem, sexta passada uma moradora do Airbnb me falou que ia fazer essa caminhada. Basicamente, você pega o trem até Seaford e anda até Eastbourne. Achei interessantíssimo. Meu plano inicial era ir pra Brighton, mas meu interesse tinha desaparecido há um tempo. As sete irmãs se tornaram muito atrativas. Fui pesquisar. Aí tá lá no site 'nível de dificuldade: 9/10'. Eu posso culpar alguém? Avisada eu estava, mas sou uma eterna otimista e decidi que ia. Acho que o principal é que dava pra desistir mais ou menos em qualquer ponto porque existe uma linha de ônibus. Isso me deu segurança de tentar.
Acordei cedo e descobri que a TPM tinha virado M (meu ciclo tá curto demais). Decidi que ia assim mesmo. Quando a cólica começou a apertar, já estava no ônibus pra estação. O roteiro de transporte é: ônibus, trem, trem, caminhada/ônibus (caso eu não aguentasse), trem e ônibus. E aí casa.
Primeiro susto foi o preço da passagem. Absurdo. A menina tinha me passado um valor totalmente diferente e eu, na confiança, não pesquisei. Infelizmente, não é ela que vende. O segundo susto foi a quantidade de gente fazendo o mesmo trajeto. Tô falando de centenas de pessoas. No caminho, falei com uma senhora e ela disse que nunca tinha visto aquilo, que sempre faz essa viagem e normalmente é ela e mais um passageiro. Então realmente tô com sorte. Pra ser sincera, dessa vez não me incomodou a quantidade de gente porque pensei que, tendo necessidade, teria quem me socorresse. Melhor que sozinha no meio do nada. Sem contar que poderia seguir o fluxo sem me importar tanto com o mapa.
Lá fui eu. Primeiro que tinha colocado uma palmilha nova e comecei a sentir meus dedinhos arrastando. Tirei a palmilha antes de causar danos e o tênis ficou muito mais confortável. A administradora do Airbnb tinha me dito que o passeio era super tranquilo porque os altos e baixos não eram tão altos e baixos. Na primeira descida, que vi que teria que voltar pro nível do mar pra depois subir tudo de novo, quis arrastar a cara dela no asfalto. Não dá pra confiar em magro.
Nas orientações tava escrito que tem que cruzar um rio. Que se tivesse cheio era melhor dar a volta, mas se tivesse vazio dava pra cruzar tranquilo. Só não falava que era tudo pedra. Não consigo andar em pedra. Não queria voltar tudo pra rodear. Sobrou passar de tênis mesmo. Meu tênis novo é 100% a prova d'água e eu confirmo! Só entrou água quando afundei quase até o joelho. 100% a prova d'água só Jesus que não afunda.
Achei que tinha cometido um erro estratégico grave e gastei uns minutos preocupada com isso, mas não foi. Apesar dos pés molhados, não tive nenhum problema por isso. Só vou precisar lavar, mas tem máquina.
São sete irmãs, então são sete subidas e sete descidas e eu virei crente em cada mudança de elevação. Subir é difícil e descer é perigoso, então a tensão é constante. Uma guria caiu. Toda vez que alguém se acidenta ou passa mal, dou graças a Deus quando é magra. Não é maldade minha, não, é maldade do povo. Gordo não pode passar mal. Quando estava na Áustria no curso do Brasília sem fronteiras, todo dia tinha que subir um morro longo e bem íngreme. Todo dia achava que ia morrer. Um dia uma guria passou mal e precisaram chamar a ambulância. Ela era magra. Depois disso fiquei tranquila em passar mal também (mesmo sabendo que iam continuar culpando a gordura), mas nunca aconteceu. No passinho do elefantinho sempre chego lá.
Voltando pras irmãs. Dessa vez, tomei café da manhã, carreguei água e levei lanche. Acho que tudo isso ajudou a ter uma experiência menos sofrida. Ainda assim, na metade do caminho comecei a me preocupar com desidratação. E aí nesse momento de preocupação, uma mulher passa por mim e pergunta se eu tô bem. Respondi que estava querendo morrer, mas estava ótima. E ela falou (vocês não vão acreditar!) 'boa sorte porque ainda falta um tantão pra você terminar'. Vocês acreditam nisso? Eu nunca vi uma pessoa fazer isso com alguém. Todo caminhante mente! É assim que a gente sobrevive. 'Não se preocupe, mulher, já tá quase terminando. Você consegue!'. Esse é o único comentário aceitável pra um estranho numa caminhada. Fiquei horrorizada com a incivilidade dessa gente. Bárbaros.
Agora além de cansada, eu estava puta, mas tão bonito o mar. Tão gostoso o cheiro. Tão confortável o sol suave. Tão lindos os cavalos (dessa vez usei mais a câmera então estou com poucas opções de fotos e nenhuma dos cavalos). E aí fui indo. Andava de frente e de costas pra aliviar os músculos, mas tomando cuidado pra não cair. Evitei parar também, exceto pra fotos. Parar é perigoso por vários motivos, inclusive pro coração, mas minha preocupação era mais a psicologia do negócio. Então fui e fui.
Bem, eu fui e fui. Aí tem uma parada com cafés e vista em Birling Gap. Peguei mais água, sentei um pouco e precisei decidir. Ali já estava o final. Podia continuar andando. Ainda tinha uma hora de caminhada até Eastbourne. Ou podia pegar o ônibus. Acho que estava bem pra continuar, mas não chegaria bem em Eastbourne, então decidi pelo ônibus.
Não me arrependo. Fui pra um pub, pedi comida, assisti uns esportes das olimpíadas, segui pra estação pra pegar o trem e voltar pra Londres. O trem tava bem vazio dessa vez. Já tomei banho, já sequei os pés e coloquei tudo pra lavar.
Ia fazer outras coisas, mas deitei e não imagino mais nenhum cenário em que eu seja capaz de levantar. Acho que nem incêndio. Se tivesse uma fralda, estaria usando.
E é isso. Reclamo, mas no fim das contas é isso que eu gosto de verdade.
Escrito em 27/7/24.
2 comentários:
Nana! Que lugar lindo! Penso que valeu a caminhada! Amei.
Lindo demais! Valeu a caminhada com certeza.
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